segunda-feira, 3 de outubro de 2016

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121º Entrevista ao FLAMES: André de Oliveira


André de Oliveira

André de Oliveira é ator e escritor. Considera-se um buscador do sentido mais lato da vida. Entre as suas muitas paixões estão a literatura, o cinema, a música, o teatro, a política e a espionagem, o desporto, o bom vinho tinto e a comida. É um amante da cultura oriental e adora viajar. Fez formação no Curso Profissional de Interpretação para Atores na Academia Contemporânea do Espetáculo, na cidade do Porto. Colabora assiduamente no desenvolvimento de projetos nas áreas de produção de cinema e teatro. É membro fundador da Filmocracy, plataforma internacional de guionistas e produtores de cinema.

O seu Filme preferido: Isso é uma pergunta difícil! Adoro cinema e tenho muitos filmes preferidos. Desde Crash, escrito e realizado por Paul Haggis, V for Vendetta, American Beauty, American History X, quase todos os filmes de Cristopher Nolan, Paul Thomas Anderson, Martin Scorcese, Terrence Malick e tantos outros! 

O seu Livro preferido: Outra pergunta difícil! Mas se tenho mesmo de escolher, então serão “O Anjo Caído” de Daniel Silva e a Filha do Papa do Luís Miguel Rocha. 

O seu Anime preferido: Não tenho.

O seu Manga preferido: Não tenho.

O seu Espectáculo/Evento/Programa de Entretenimento preferido: Um concerto de MUSE!!!

A sua Série preferida: House of Cards, Homeland, True Detective e Californication. Já me falaram de muitas outras interessantes, mas não tenho tido tempo para as ver. Gosto de pegar numa série e vê-la do início ao fim.

Quando é que a escrita se tornou numa paixão para ti?
Se bem me lembro, comecei a escrever alguns textos soltos por volta dos meus 15 ou 16 anos. Foi uma necessidade que me surgiu muito natural e espontaneamente. Já gostava muito de ler nessa altura e acabei por seguir esse caminho muito naturalmente. No entanto, sinto que a escrita como a expresso hoje em dia, seja na forma de prosa nos meus romances, na sua forma de poesia ou na escrita dos guiões de cinema que tenho vindo a desenvolver, mais do que uma paixão, começou por ser uma necessidade há uns cinco ou seis anos. Sinto que se foi tornando esta necessidade muito saudável de expressão individual e criativa e à qual associo uma sensação/realização de grande prazer e gosto na criação dos textos e das estórias que conto. Foi-se transformando numa paixão de forma bastante gradual e consistente. 

Sei que um dos teus autores favoritos é o Luís Miguel Rocha. De que forma ele influenciou a tua escrita?
O Luís teve um impacto profundo na minha forma de escrever. Quando descobri O Último Papa, o primeiro livro dele que li, fiquei completamente siderado naquela estória e na forma como ele a contou. Depois li e reli todos os seus livros. A leitura dos livros do Luís reforçou em mim a sensação de que eu poderia escrever um romance, um dia. Essa sensação já andava comigo há muito tempo, mas quando li O Último Papa fiz um acordo comigo mesmo de que iria fazer tudo ao meu alcance para escrever e publicar, pelo menos, um romance.
Depois, tive o privilégio de falar muito com o Luís. Ele leu o meu romance, Peónia Vermelha, mais ou menos na altura em que tu também o leste e apoiou-me de forma incondicional, quase sem me conhecer, e inspirou-me de tal forma para continuar a escrever que acabei por lhe dedicar este meu primeiro romance. 
Embora o Luís nos tenha deixado precocemente, a sua obra e o seu espírito cheio de riso, profundidade e humor, continuam por aqui e estão para ficar. Não tenho a mínima dúvida que se a Porto Editora (editora do Luís) investir em manter a sua obra viva, o Luís manter-se-á como um dos grandes da literatura portuguesa e internacional durante todo o século XXI. Todos os dias, quando me sento para escrever, lembro-me do Luís e agradeço-lhe a força que ele continua a dar-me neste processo tão longo que é a escrita de um romance. 

Por vezes os autores criam uma personagem mais parecida com eles próprios. Isso aconteceu-te?

Se isso tiver acontecido, não foi um processo consciente (risos!). A realidade é que eu não me consigo separar completamente dos personagens que crio. Acho mesmo impossível. Mesmo quando estou a criar um vilão, ou um antagonista horrível, acabo sempre por lhe dar algo de mim. E acho que todos os escritores, e artistas nas suas mais variadas áreas, acabam por o fazer consciente ou inconscientemente. É impossível o artista separar-se completamente da sua obra ou criação. E quem disser que o faz estará a tentar enganar as pessoas. Qualquer um de nós, seres humanos, cidadãos, quando julgamos algo ou alguém, estamos a julgar uma pequena parte que também existe dentro de nós mesmos, nem que seja no mais recôndito e obscuro canto da nossa mente, porque se assim não fosse, nem sequer conseguiríamos reconhecer esse “defeito” ou atitude nos outros. Tenho a sensação muito forte e vívida em mim que todos nós partilhamos o essencial humano dentro de nós mesmos, no nosso coração ou mente, e, se isso for mesmo verdade, todos temos amor, compaixão, ódio, violência, rancor, paz, inquietação, anseios, sonhos e desilusões dentro de nós mesmos. Dessa forma, ao escrever uma estória, ao criar um personagem, estamos a inspirar-nos sempre em algo que é intrinsecamente humano e comum a todos. Dessa forma, sim, todos os meus personagens sou eu mesmo, sem dúvida. Mas também te posso dizer que faço um esforço para que cada personagem seja o mais autêntico possível. Por isso mesmo te posso então dizer que não, nenhum dos meus personagens sou eu. 

E se pudesses trazer à vida um dos teus personagens do livro, qual deles trarias e porquê?
Seria Chi Shao, sem dúvida! Esta personagem, a principal do livro, é uma mulher incrivelmente interessante, pelo menos para mim (risos!!!). É uma mulher misteriosa que vem do Oriente para a Europa para tentar ajustar contas com um passado mal resolvido. É uma mulher emancipada, muito inteligente, que se trata bem, e cheia de sensualidade e glamour. Dentro de si existe um verdadeiro tigre que precisa pôr em ordem algumas coisas do passado, que ficaram por resolver, e fazer justiça em relação a uma grande calamidade que se está a desenrolar na China no momento da ação do livro. Chi Shao é a mulher que não vira as costas aos problemas e pode estar a tremer por dentro, pode estar quase a vomitar de tão nervosa ou ansiosa que está, mas nunca vira a cara aos problemas. No entanto, também é uma mulher muito misteriosa que traz dentro de si um lado bastante negro. É, no fundo, um ser humano extraordinário como todos nós. Mas, neste caso, ela representa também o sentido de justiça e força para fazer o que é correto, daí ser ela a minha escolha para trazer a este mundo. 

Este teu livro mistura diferentes culturas... Neste livro por exemplo há uma parte passada na China e a própria personagem é chinesa. Porquê esta escolha?
Eu sou um amante da cultura oriental. Sou curioso e estudante de tudo o que venha do oriente. Já fui instrutor de Yoga e meditação, disciplinas que terão nascido na Índia. Já vivi na Índia durante uma temporada e foi, sem dúvida, uma das melhores experiências da minha vida. Sou curioso e estudante da cultura chinesa também, nomeadamente da Medicina Tradicional Chinesa. Ao ter lido e estudado sobre estas culturas, nomeadamente a chinesa, acabei por ter um conjunto de ideias para contar esta estória. A realidade é que a personagem principal de Peónia Vermelha, Chi Shao, foi uma das primeiras ideias que me veio à mente quando decidi que ia escrever este romance. Depois, quanto às passagens na Cidade Proibida em Beijing, e nos outros locais da China, foi tudo muito natural e espontâneo. Veio por necessidade de contar a estória. Fiz alguma pesquisa que me ajudou a compreender melhor aquilo de que iria falar e o resto foi trabalho. No entanto, sei também que tudo o que nos é desconhecido ou distante gera, normalmente, curiosidade ou receio. Neste caso, o meu objetivo passou por tentar gerar curiosidade sobre quem será esta personagem, esta mulher, esta heroína que põe em causa uma vida de conforto em prol dos valores da justiça e da liberdade.

É mais fácil escrever sobre Portugal do que sobre outros países?
Tem algumas vantagens. Quando escrevemos sobre algo que conhecemos em profundidade, mais facilmente podemos ir aos detalhes que todos conhecem e encontrar a beleza e a curiosidade no quotidiano/banal que quase já ninguém repara. Isso acontece todos os dias nos locais onde vivemos, as pessoas não se apercebem da beleza de certos pormenores porque os vêm todos os dias e o seu cérebro desliga-se automaticamente. É preciso, no entanto, estarmos muito atentos, conscientes e presentes, a cada momento para conseguir captar essa beleza e essa unicidade para que depois ela possa ser transposta para palavras numa estória.
Pelo contrário, quando escrevemos sobre algo noutro país isso também nos dá alguma liberdade dentro da limitação de não conhecermos tão bem esse país ou cultura. Eu gosto de fazer pesquisa sobre os locais que escrevo, principalmente quando nunca lá estive. Neste livro falo de locais onde nunca estive. Gosto de fazer muita pesquisa e, se possível, visitar o local e conhecer tudo sobre o que vou escrever. Isso dá-nos material, nomeadamente, para os momentos em que parece haver alguma espécie de bloqueio criativo ou quando não sabemos bem para onde queremos levar a estória. No entanto, também gosto de ter liberdade absoluta para escrever o que quero. No fundo, escrevo ficção baseada na realidade, mas no final é sempre ficção. 

Penso que nesta obra haja alguma crítica política, apesar de não ser uma coisa demasiado marcada!… Não te “assusta” a reação que isso possa provocar?
De todo. O livro é muito político em si mesmo e esse era o objetivo desde o início. Eu sou um ser político, como todos os outros seres humanos. A ideia de que a política está separada de nós, ou da sociedade, é uma das principais causas para termos políticos medíocres de forma quase constante. Acredito sinceramente que uma participação consciente na política será uma das principais formas de melhorar o sistema em si e o mundo no geral. Haverá muitas outras formas, mas a participação ativa e consciente é, sem dúvida, uma das principais. Adoro a contribuição dos monges budistas e dos yoguis que ficam nos mosteiros e nas montanhas a meditar, a rezar, e a visualizar paz e harmonia para o mundo. Adoro! Mas também adoro e respeito imenso a capacidade de entrar em ação e influenciar o rumo das coisas. Eu sou um homem de ação e inspira-me imenso ler biografias e conhecer histórias de grandes seres humanos que mudaram o rumo das suas vidas e das de outras pessoas para melhor. Temos muitos exemplos de grandes líderes políticos, religiosos, empresários e de outras áreas, que transformaram as vidas de milhões de pessoas através da ação e da concretização de grandes visões para um mundo melhor. É por isso que acho a política importantíssima. Mas teremos de ser nós mesmos a participar ativamente para que os nossos políticos não se sintam impunes ou acima da lei. Temos que estar presentes e bater o pé quando é necessário. Um exemplo: Acho incrível como é que permitimos a compra criminosa de submarinos para o Estado português, no valor de milhões de euros (com dinheiro dos nossos impostos!!!) e, de repente, quando se vai averiguar o caso por suspeita de corrupção… nada… não há certos documentos… Como é possível? E o principal criminoso está nas ruas, livre, e pelos vistos com uma série de altos cargos de decisão numa série de multinacionais. O crime ainda compensa na nossa sociedade. 
Quanto à fase final da tua pergunta, se uma obra criativa não causa “reações” às pessoas, então o que é que poderá causar? O Pokemon Go? A Casa dos Segredos? O jornalismo sensacionalista e de baixa credibilidade do Correio da Manhã? 
Não tenho o mínimo receio das reações. Poderia sentir algum tipo de receio se a minha obra passasse indelével, sem causar qualquer tipo de “reação” da parte dos leitores (risos!!). Isso, sim, seria razão para “recear”. Mas não é o caso. Não quero com isto dizer que eu esteja mais certo ou errado que qualquer outra pessoa, o que quero afirmar é que sou absolutamente livre e responsável por aquilo que escrevo.
Vivemos numa época de tanta liberdade e partilha de informação, mas no entanto parece continuar a haver um medo, mais ou menos consciente, de falar sobre certos temas, nomeadamente política, sexo, religião, espiritualidade, racismo, xenofobismo, machismo e feminismo…
Urge que falemos cada vez mais sobre aquilo que somos e para onde queremos ir. Os últimos dez mil anos da humanidade estão repletos de conflitos políticos e guerras religiosas, e parece que não aprendemos nada com isso. Vemos um psicopata lunático como Donald Trump a ganhar uma força tremenda na sua campanha à Casa Branca, nos Estados Unidos, e tantos milhões de americanos que o apoiam abertamente. Vemos esse lunático a dizer que vai construir um muro entre o México e os Estados Unidos e os serão os mexicanos a pagá-lo… e depois vemos pessoas a bater palmas… Fico incrédulo com este tipo de medievalismo que ainda se vive por esse mundo fora. Observamos impávidos, e serenos, o fenómeno brutal e asqueroso que se chama Daesh, Isis, ou Estado Islâmico, em ascensão onde se cortam cabeças, vendem e violam mulheres e crianças como se não houvesse nada de sagrado naquele outro ser humano. E tudo para quê? Por Alá? Para Deus? Porque os franceses, os ingleses e os americanos andaram lá a chafurdar no petróleo e nas mulheres de burqa negra? 
Minha querida, claro que temos que falar (e muito!!!) sobre política, amor, sexo, cultura, religião, Deus, Alá, Shiva, Buda, música, cinema, literatura, machismo e feminismo, guerra e paz. Acima de tudo falar sobre a paz, cultivar a paz e a celebração que deveria ser a nossa vida, e o caminho que queremos traçar para nós mesmos e para a humanidade no futuro. 


Já me perguntaram imensas vezes de que género é o teu livro e eu sempre tive alguma dificuldade em o classificar porque é bastante completo. Temos romance, política, espionagem, encontros e desencontros, revelações e murros no estômago. Tu como o classificarias?

Por uma questão meramente prática para os livreiros, eu classificaria Peónia Vermelha como um thriller político/espionagem e romance. Mas é como tu o dizes, Peónia Vermelha acaba por abraçar várias cores e géneros dramáticos. A estória foi crescendo ao longo dos anos e foi ganhando estas novas dimensões sem que eu me preocupasse muito em o definir. Mas, para que fique mais claro, é sem dúvida um thriller rápido e intenso de política/espionagem com uma grande estória de amor e algumas reviravoltas mirabolantes (risos!!!). 

O teu livro tem bastantes elementos “cinematográficos”. Quando o estava a ler estava a ver a trama toda a acontecer na minha cabeça e acho que facilmente poderia transformar-se num filme. Tu que gostas tanto de cinema, se pudesses levar este teu livro para o grande ecrã, quem escolheria que o realizasse e podendo tu escolher os actores, quem escolherias?
Quando li esta pergunta até me arrepiei (Risos!!!). Sim, o cinema é uma paixão para mim e adoro a ideia de um dia adaptar Peónia Vermelha ao grande ecrã. Se todos sonharmos com isto, não tenho dúvidas que possa vir a acontecer (risos!!!). 
Quando escrevo um romance, gosto de lhe dar elementos visuais/cinematográficos bem evidentes porque é assim que eu gosto de ler um grande livro. Sempre que um romance me “agarrou” de início ao fim, sem esforço, tinha exatamente esse elemento visual/cinematográfico. Então, de alguma forma, através da leitura e estudo dos livros que eu considero grandes estórias, tento escrever aquilo que eu mais gosto e que para mim mais sentido fará. Gosto da ideia de escrever o tipo de livros que eu gostaria de ler. Acho que é assim com quase todos os escritores. Para mim, um grande livro é aquele que me cria imagens mentais muito claras e experiências emocionais intensas.

Como amante do cinema, também estou a desenvolver uma série de guiões para filmes e a participar num projeto que se chama Filmocracy. A Filmocracy é uma plataforma internacional para guionistas e produtores de cinema, um espaço onde os cineastas poderão apresentar os seus projetos e criar condições para concretizar os seus filmes e as suas produções. Nesse sentido, claro que gostaria de ser eu a realizar a adaptação de Peónia Vermelha ao grande ecrã (risos!!!). No entanto, como as coisas são bem mais complexas que isso, tenho três realizadores que adorava ver a realizar esta adaptação para cinema que são Christopher Nolan, Paul Haggis ou Paul Thomas Anderson. Quanto ao casting, admito que tenho mais dificuldade em escolher os atores. Mas para a personagem principal, Chi Shao, chamaria para o casting a Lucy Liu, mas sem promessas (risos!!!). Ela teria de provar que era capaz de fazer um brilharete naquele papel, até porque sinto Chi Shao como uma personagem complexa e terá de ser uma grande atriz para conseguir o papel (risos!!!). 

Obrigada André pela tua simpatia e por teres respondido a estas perguntas :)



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