quarta-feira, 2 de outubro de 2013

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24ª Entrevista Álvaro Cordeiro (escritor)


Álvaro Cordeiro


Álvaro Cordeiro (pseudónimo), nasceu em Lisboa, em 1964. Licenciou-se em História e é professor do Ensino Básico e Secundário. Dedica-se ao teatro amador. Desde 1997, que tem uma atividade regular na escrita, representação e encenação. “Nós, Vida” é o seu primeiro livro. Vamos conhecê-lo um pouco melhor…

Qual é a sua nacionalidade: Sou português, nascido em Lisboa.

O seu Filme favorito: Ivan, o Terrível, de Serguei Eisenstein.

O seu Livro favorito: Os Miseráveis, de Victor Hugo.

O seu Anime favorito: Não tenho.

O seu Manga favorito: Não tenho.

O seu Espetáculo de música favorito: É difícil responder, é difícil particularizar. Considero a Ópera de Pequim um espetáculo sublime e esmagador, como acho admirável qualquer concerto de Frank Sinatra ou de Gilbert Bécaud, pelo poder artístico e comunicativo que eles tinham. Mas há muitas outras coisas fantásticas.

A sua Série de televisão favorita: Não sei responder. Não vejo séries de televisão com suficiente regularidade para ter um critério de escolha.
O seu livro foi criado através de um guião de teatro que já tinha feito, o que acaba por ser o processo inverso a que estamos acostumados. Como foi o processo de transformação do guião para livro?
Não é totalmente correto dizer que o livro foi criado através de um guião de teatro. Na realidade, a peça de teatro Nós, Vida foi escrita a partir de um livro anterior, que tinha outro título e um formato um pouco diferente. Essa obra inicial continha a essência de tudo, mas recebeu um grande impulso quando foi transformada em peça de teatro e, entre outras coisas, ganhou o título e o desenlace. Mais recentemente, perante a possibilidade de uma publicação, reescrevi todo o texto em prosa, partindo do guião da peça, que era, obviamente, a versão mais acabada duma obra que lhe era anterior. Essa reescrita resultou no romance Nós, Vida, que está agora disponível em livro, e-book e audiobook.

O seu livro, aos nossos olhos, é uma verdadeira ode ao amor. É um tema recorrente nas suas peças/guiões? Que outros temas gosta de abordar e/ou gostaria de abordar no futuro?
O amor é, sem dúvida, um tema muito presente no meu livro. Não sei se é um tema recorrente na minha escrita. Eu escrevo sobre o ser humano e aquilo que o constitui e move. Ora, o amor é talvez o maior motor do ser humano, ao longo da vida, por isso é natural que esteja muito presente naquilo que escrevo.
Também gosto de escrever sobre o tema da espiritualidade. Não no sentido cósmico ou esotérico e muito menos de forma simplória ou beatífica, pseudopsíquica ou pseudorreligiosa. O tema da espiritualidade atrai-me enquanto dimensão essencial e transcendente do ser humano, que unifica a sua vida e lhe confere um sentido maior. Porque todo o ser humano tem uma vida espiritual, mais ou menos ativa, qualquer que seja a fonte (cósmica, psicológica ou pneumática) donde reconheça que ela brota. Eu assumo a espiritualidade na conceção pneumática, como vida infundida na criatura pelo Espírito criador. Acho que acabo sempre escrevendo sobre isso e é, sem dúvida, um tema que também está muito presente em Nós, Vida.

Quanto ao futuro, direi que quase tudo o que escrevi até hoje é ficção localizada na atualidade. Espero um dia vir a abordar o romance histórico.

Neste seu livro todas as personagens se vão entrecruzando. A uma certa altura não foi para si confuso criar todos estes laços?
Foi mais surpreendente do que confuso. A escrita deste livro foi, no início, muito despretensiosa: comecei por redigir textos soltos, sem qualquer preocupação de ligação entre si, onde as personagens não tinham que estar relacionadas umas com as outras. À medida que a escrita se desenvolveu, começaram a surgir naturalmente os cruzamentos, quase como uma exigência das personagens à qual o autor foi cedendo com certa perplexidade. Depois, o livro esteve parado na gaveta vários anos, inacabado como a vida, que projeta sempre uma continuação ou um desfecho para o dia seguinte. Até que, a dada altura, o retomei para o transformar em peça de teatro. Foi aí que, fruto de uma reflexão madura sobre a intriga, as personagens e a mensagem de fundo, todas as relações e todos os episódios foram ordenados e completados em função de um desenlace. Reconheço que houve uma intervenção forçada para rematar uma sucessão de capítulos que poderia continuar indefinidamente, mas os laços entre as personagens já estavam estabelecidos de uma forma tão simples e natural que não chegou a ser confuso.
Parece-me estranho estar a dizer isto, porque a minha própria experiência de construção de intrigas é muito rebuscada e, por vezes, dolorosa. Com Nós, Vida tudo foi sempre muito transparente e fluido. É por isso que, enquanto autor, olho para este livro como uma espécie de essência pura, algo como uma escrita primordial.

No seu livro aparecem imensas personagens diferentes. Existe alguma mais próxima a si? Porquê?
Eu diria que todas as personagens são próximas de mim, todas possuem algo do que eu sou, ou do que já fui. Ou, eventualmente, do que um dia serei. Penso que se passará o mesmo com os leitores, porque todas as pessoas têm uma personalidade multifacetada e a descoberta disso é extremamente enriquecedora. O processo de reescrita sucessiva, ao longo dos anos, ajudou-me a perceber isso: eu morava muito no Milo e na sua obsessão de interioridade, quando iniciei a escrita do primeiro capítulo, há quase trinta anos; mas já tinha sentido muitas vezes a revolta do Max ou as dúvidas do Dino, que voltei a sentir depois. Mais tarde encontrei-me muito no Túlio, na sua serenidade conselheira, mas também na sua dor afogada. E, ao mesmo tempo, reconhecia-me na fragilidade da Anísia, que é feita da mesma vontade de acertar do Ivo, mas não tem o ressentimento dele, que só comecei verdadeiramente a sentir mais tarde. A Míria e a Nora, convictas e sacrificadas, firmes e abnegadas, são o que eu sempre admirei nas pessoas e quis imitar. Por outro lado, creio que toda a gente, alguma vez, experimentou ou experimentará a fuga parada do Rico e o seu beco sem saída. E quem é que nunca sentiu o apelo de transgressão da Lígia, que é também uma fuga? E por aí fora…

Tem mais livros pensados para o futuro?
Sim. Tenho um novo livro com a primeira fase de redação concluída, a que falta agora uma revisão aturada que, provavelmente, levará a que ele seja reescrito numa nova versão, mais completa e aperfeiçoada. Depois tenho ideias para mais livros, em diferentes estádios de desenvolvimento. E quero continuar a escrever peças de teatro. Além disso, todas as semanas partilho um texto novo com os leitores no meu blogue literário.

Com a sua editora decidiram utilizar o “crowdfunding”. Poderia explicar melhor aos nossos leitores o que se trata?
O crowdfunding é um sistema de financiamento colaborativo que, mediante uma estratégia de recompensas, permite angariar contributos financeiros que viabilizem a concretização de um projeto. Pode ser aplicado aos mais variados empreendimentos. No caso do meu livro, foi proposto ao público que participasse no orçamento da publicação com quantias desde os 5 aos 50 euros, sendo que as recompensas podiam acumular-se a partir da inscrição do nome na primeira edição do livro até à possibilidade de um jantar com o autor, passando pela obtenção do livro nos seus diferentes formatos (e-book, audiobook ou obra impressa).
Para além da possibilidade de angariar valores que permitam custear as despesas de um projeto, o lado interessante deste sistema é a ligação que se cria entre o projeto a desenvolver e o público ao qual ele se destina. Este, ao participar no investimento, sente a obra como sua ainda antes de ela ser comercializada; por outro lado, o autor e a editora sentem o compromisso de uma relação que se estabelece para continuar. A meu ver, isto corresponde completamente ao que penso ser o papel da literatura (e da arte em geral): unir as pessoas em torno de ideias comuns e gerar mais valias culturais.

Quando uma pessoa vai ao teatro o que vê mais são os atores, e muitas vezes esquecemo-nos de todos os outros intervenientes. Sente que um guionista tem o mérito que merece?
Em primeiro lugar, considero que quem escreve uma peça de teatro não é um “guionista”, mas sim um autor que cria uma obra escrita com qualidade literária autónoma. Em segundo lugar, e aqui falo a partir da minha própria experiência, penso que quem escreve uma peça de teatro não está focado no puro reconhecimento do seu mérito, mas antes preocupado em pôr a sua escrita ao serviço de um todo maior, uma criação artística da qual sabe que o texto, sendo a base, é apenas um elemento a conjugar com outros. Apesar de fundamental e autónoma, a obra escrita só ganhará pleno sentido quando for implantada em cena e trabalhada de forma dramática.
Escrever para teatro é habitar este paradoxo de derramar toda a energia criativa numa obra que se sabe que, por muito preenchida que seja, será sempre imperfeita em si mesma, estará sempre carente de um tratamento dramatúrgico e cénico para se completar. Por isso, o reconhecimento do mérito do autor está sempre dependente de fatores que estão para lá do seu trabalho de escrita. Dito isto, a minha experiência na área do teatro (quer do lado do público, quer do lado da escrita, encenação e representação) leva-me a crer que, atualmente, há muitas pessoas que apreciam os espetáculos de forma global, não se ficam na superficialidade de olhar apenas para o trabalho dos atores (às vezes erradamente encarado como uma mera exibição), mas valorizam a qualidade das diversas componentes e as suas interações. E, obviamente, criticam os desequilíbrios.
E há muita gente – eu incluído – que, muitas vezes, decide ir ao teatro devido ao autor e ao texto da peça.

Em todas as nossas entrevistas pedimos à pessoa entrevistada para deixar uma pergunta para a próxima pessoa a entrevistar. No seu caso, foi a autora Joanne Harris que lhe deixou uma pergunta (pode ver a sua entrevista aqui - http://flamesmr.blogspot.pt/2013/09/entrevista-joanne-harris.html). A pergunta foi: "What stops you from writing?"

Penso que aquilo que pode impedir-me de escrever é precisamente aquilo que me motiva para a escrita: a vida, com todos os seus apelos e solicitações. O meu trabalho como professor absorve muito do meu tempo e energia, pois é algo a que me dedico muito para além do que está consignado num horário letivo. A vivência familiar também concentra muito da minha atenção. E depois a prática dos meus hobbies: a leitura, com o processo de estudo e reflexão que envolve, e o teatro, com o trabalho de ensaios e produção. Todas estas coisas me desviam da escrita, mas são justamente estas ocupações que me põem em contacto profundo com os outros e comigo mesmo e, assim, me fornecem inspiração e referências. Quando a minha capacidade de interiorização e meditação me permite fazer eco e síntese de tudo isso que, na minha existência, vou captando e experimentando, devolvo-me então à escrita e procuro romper todas essas ocupações para criar aquilo que nunca poderia existir sem elas.

Agora é a sua vez... Pedimos-lhe para deixar uma pergunta ao próximo entrevistado, mesmo sem saber de quem se trata: Porque é que vale a pena criar?

Obrigada pela entrevista :)

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